Ela despertou minha curiosidade, e fazia tanto tempo que estava adormecida que decidi deixá-la viver um pouco na realidade.
Era  estranha porque ela tinha aquele sorriso que parecia o resultado de uma  adição dos sorrisos que amo tanto. E aqueles olhos que mudavam de cor e  me davam arrepios, e aquelas mãos que se encaixavam tão perfeitamente  nas minhas, que eu me senti completa por alguns instantes.
Enquanto olhava dentro de seus olhos, quase acreditei que ela tivesse transferido seus próprios sentimentos para dentro de mim.
Ela  tinha aquele poço frio, azul e fundo camuflado no rosto, e ela estava  prestes a transbordar com todo o seu medo e amargura. Por algum motivo  senti que isso a deixaria feliz, pois ela sobrevivia com os sentimentos  de outro alguém.
Mas ela sentiu medo quando olhou dentro dos meus  olhos e então decidiu que não os olharia mais. Eu ainda não havia  entendido esse medo que as pessoas tinham de mim e do meu olhar… Pois  ela não queria machucar ninguém. Talvez fosse intimidador. E é mesmo  verdade que ela conseguia descobrir coisas sobre as pessoas que nem elas  mesmas sabiam. E também é verdade que ela podia sustentar o mais  intenso dos olhares sem vacilar, mas é verdade também que poderia  revelar quase tudo sobre mim caso algum dia encontrasse outro olhar  atento.
Talvez eu descubra uma forma de não afastar as pessoas, e  assim talvez eu aprenda a manter os olhos entreabertos quando eles não  estiverem fechados.
Eu continuarei assim, convivendo com o medo dos  outros como se fossem os meus próprios, porque eu sou o pior dos  monstros, e não tenho outros para temer.
 

 
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